A Reprodução Assistida, como a FIV, possibilida a reprodução humana de maneira assistida. E qual a relação com a endometriose? Continue lendo e saiba mais.
Endometriose é a presença de endométrio, epitélio que reveste a cavidade interna do útero fora do útero infiltrando os órgãos da pelve como o intestino por exemplo.
Com a melhora dos equipamentos de imagem, o diagnóstico clínico passou a ter enorme relevância ficando para a cirurgia o papel de confirmar, estadiar e tratar a doença em mulheres sintomáticas.
Endometrioses provoca infertilidade em 12 a 45% das mulheres segundo dados da literatura com acometimento intestinal cada vez mais presente.
A endometriose deve ser considerada como um problema sistêmico em relação as questões reprodutivas independente de onde esteja com principais mecanismos de infertilidade a distorção anatômica, a diminuição da reserva ovariana, a baixa qualidade oocitária e embrionária, a implantação deficient com fluido peritonial citotóxico na função dos espermatozóides e na sobrevivência do embrião.
Várias análises mostram que as mulheres com endometriose submetidas a FIV apresentam piores taxas de fecundação, maior taxas de perdas gestacionais, menores taxas de implantação e taxa aumentada de complicações obstétricas em relação a sem endometriose.
A cirurgia é importante em tratar a endometriose, restabelecer a anatomia, aliviar a dor e diminuir a resposta inflamatória, principalmente após o advento da laparoscopia e o melhor planejamento cirúrgico com equipe multidisciplinar.
A ESHRE através dos seus guidelaines coloca que a eficácia da cirurgia da endometriose antes da FIV não esta bem estabelecida.
Um artigo (*) publicado no JMIG em 2021, Impact of Surgery for Deep Infiltrative Endometriosis before In Vitro Fertilization: A systematic Review and Meta-analysis” mostrou que existem evidências suficientes para mostrar o papel da cirurgia da endometriose antes da FIV.
Diante do difícil consenso entre um cirurgião pélvico e um especialista em reprodução humama deve-se buscar a compreensão da endometriose de forma individualizada.
Grande parte dos cirurgiões (geral, coloproctologista e oncológico) não tem formação em infertilidade e muito menos são especialistas da endometriose.
Da mesma forma vários centros de reprodução humana não têm protocolos específicos para endometriose por acreditarem que a FIV seja soberana e não agrava os sintomas, não acelera a sua progressão ou aumenta a sua recorrência.
Nós médicos não temos obrigação de fim e sim de meio, ou seja, de informar e oferecer o melhor, mais seguro e com melhores resultados.
A FIV não é tratamento de endometriose! Ela é uma ferramenta muito importante na abordagem da infertilidade em qualquer pacientes.
Como proceder com uma paciente infértil com endometriose no reto (2 cm e 30% da circunferência)?
Um ponto a favor da FIV seria no caso de paciente assintomática, sem dor. Será que existe endometriose intestinal assintomática?
Outro ponto a favor da FIV na vigência de sintomas seria a eficácia do bloqueio prolongado da endometriose por 3-6 meses (análogo do Gnrh) com melhora em até 4 vezes dos resultados.
Em contra partida perderiamos menos tempo com a realização de uma cirurgia complete da endometrioses.
Diante da questão tempo, pode-se propor uma coleta de óvulos com fertilização de embriões que serão congelados e transferidos após a cirurgia. Pena que o custo seja muito elevado!
Apesar do aumento do número de clínicas de reprodução assistida os valores ainda são elevados e os procedimentos não são contemplados pelos planos de saúde e muito menos pelo SUS.
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-seção I, página 16053, as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida tem como um dos principios gerais:
“As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade”
Cirurgia deve ser primeira linha diante do envolvimento intestinal pela endometrioses com significância estatística (OR-2,43) conforme artigo citado (*).
Embora a razão exata da melhora não esteja clara o restabelecimento da anatomia favorece também a punção e coleta ovular.
Um eventual dano a reserva ovariana depende do procedimento realizado e do cirurgião. Ai temos um problema na escassez de serviços capazes de realizar esta cirurgia com mínimos danos e máximos benefícios independente da forma de remuneração (planos de saúde, SUS ou particular).
As complicações obstétricas são mais frequentes em pacientes de reprodução assistida e agravadas na presença da endometriose.
A gravidez também não é tratamento da endometriose. Algumas mulheres têm a doença controlada durante a gestação mas com riscos obstétricos elevados.
Alguns desses riscos são a placentação anômala, abortos espontâneos, pré-eclâmpsia, retardo de crescimento intra-uterino, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, hemorrágias anteparto, parto prematuro, ruptura uterina, cesariana, recém-nascido de baixo peso, natimorto e hemorragias pós-parto.
Postergar cirurgia aumenta morbidade e mortalidade, mesmo em pacientes sem menstruar devido aos risco de perfuração intestinal ou obstrução conforme relatos na literatura.
Não podemos esquecer que a cirurgia e a FIV também apresentam taxas de complicações que não podem ser negligenciadas.
Na FIV temos hiperestímulo em ate 7%, sangramento em 1,3%, infecção em 0,9% e piora da endometriose em 0,4% conforme artigo(*).
Na cirurgia as complicações maiores e menores variam de 3 a 7% em função da gravidade da doença.
O último ponto a ser considerado são os fatores prognósticos como a idade, a reserva ovariana, a paridade e o fator masculino que têm pesos diferentes mas ajudam na seleção daquelas pacientes que se beneficiariam mais rapidamente da reprodução assistida!
O contra ponto vem da necessidade do bom senso médico prevalecer em priorizar a FIV se falhas da cirurgia ou a cirurgia se falhas de FIV!
A mulher moderna de hoje tem mais conhecimento devido a globalização e é muito mais exigente que a do passado na sua busca por resultados.
Precisamos conciliar a medicina baseada em experiência e a medicina baseada em evidência com a medicina baseada em inteligência.
Em um futuro próximo, a inteligência artificial (computador) vai nos ajudar a analizar todas as variáveis de uma pessoa, selecionando não necessariamente o melhor estudo com as melhores evidências e sim o que melhor atende aquela paciente de forma individualizada.
Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, câncer, dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.